"Não me venha com "temos de conversar, aconteceu uma coisa". Uma coisa não
simplesmente acontece. Você precisa apertar um botão pra isso tudo "simplesmente
acontecer". Duas pessoas não resolvem dar uma escapulida sem antes um bom flerte,
alguma negociação e um punhado de telefonemas.
Todos passam por isso, todos vivem aquele fragmento lúcido de tempo em que é
necessário decidir entre resistir ou fazer a coisa - esta é diferença entre nós. Duas pessoas
resolveram acontecer. Você está entre elas e é isso que dói um pouco. Outro erro
grostesco na construção das suas desculpas esfarrapadas: não há mais o que conversar.
Vamos evitar olhares de lamentações, desprezos e resignações.
O que você quer? Absolvição? Aplausos? Ver nos meus olhos uma ponta de dor? Que eu
desague um rio de lágrimas? Correção? Desculpa entrar na brincadeira sem julgar seu
acontecimento como uma mera molecagem credora de castigo. Nunca fui sua mãe e você
já não é mais criança, posso afirmar, apesar da sua ingenuidade em pensar que assim a
coisa soaria mais honesta. A pior ingenuidade é achar-se esperto.
Não importam os pontos já somados ou o quanto você foi legal, seremos julgados
eternamente por um único e isolado e grande erro. Sinto muito, é assim que funciona. Não
existe justiça nisso que chamamos de "vida". Às vezes somos resumidos por aquilo que só
fizemos uma vez, se acaso aquilo que só fizemos uma vez modificar alguém para sempre
.
Aliás, foi melhor? Foi bom? Me diga. Me conte. Roteirize a cena pra mim. Vamos lá, eu
quero saber. Entrei no seu jogo e estou dando uma oportunidade pra você se gabar. Não
desperdice. Pegue. Foi bom? Foi melhor? Espero no mínimo um sim, que tenha valido a
pena, porque você pôs a perder algumas coisas que até ontem pareciam importantes.
Defenda-se.
Sabe, sobre esse seu "amor" que você está dizendo. Eu posso ouvir você dizer milhares de
vezes, mas não significa que uma junção de palavras vai me fazer sentir como era antes,
tudo outra vez. Seria até bom se você ficasse quieto e deixasse a reputação do amor
intacta. No futuro ouvirei de alguém que esse alguém me ama e quero ter um conceito
melhor sobre isso.
Vamos fazer assim. Sem traumas. Sem dramas. Sem dores. Seria exagero dizer que você
faz o mundo melhor. Você não é pra tanto, mal dá pro gasto. Mas que fica tolerável, não
posso negar. É que... já não estamos nos falando direito mesmo, então acho que preciso
aproveitar que nós dois não somos uma aposta segura a longo prazo e que também não
sou assim, tão louca por você.
Nada parece fazer diferença agora e tudo indica ser uma boa hora pra largar mão disso de
qualquer forma. Não é como se estivéssemos perdendo algo. Eu vou dar uma volta,
refrescar as ideias. Quando eu voltar, não quero mais vê-lo aqui. Se ainda estiver, então
entenderei que sou eu quem deve sair."
(Gabito Nunes)
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